O CARACOL E OS PÁSSAROS - Jornal Folha da Região 20/08/2013
Na minha condição de Caracol, acompanhar os Pássaros é muito difícil por causa do peso que carrego nas costas. Conheci uma Canarinha que tinha um belo canto. Muitos o pretendiam, mas ela lhes dizia: “Não tem preço! Não tem preço!” Voava cantando e encantando, até que um dia encantou-se pelo olhar de um seu quase igual. Ele era construtor. Construía e enriquecia. Para os compradores, de barro; para os seus amores, de ouro. Juntou muito tesouro.
Parecia verdadeiro o amor daquele Pássaro Construtor por aquela Canarinha Cantadeira. O Construtor queria que o canto dela fosse somente para ele. Ela entoava canções delirantes para agradar aquele amante. Que pena, depois que ela formou com ele um par, não voou mais, era conduzida por um capataz.
Um dia, eu a ouvi dizendo assim:
- Pássaro Construtor devolva-me a liberdade - pedia com voz triste de desencanto. - Cantar só não soa encanto, também não sou pássaro de voar em bando. Voar só não traz solidão. Viver sozinha, sim! Trancar-me entre os seus abafa o meu canto, por favor, abra a gaiola e me deixe voar.
- Minha querida, o seu canto harmoniza a nossa casa e aqui não lhe faltam Formigas para servi-la, e o que chama de gaiola, para muitos, é um jardim.
Eu, na condição de Caracol, vi como aconteceu: ela lutou com a grade, quebrou o seu canto e morreu. Dela, ficou um ovo que não demorou quebrou a casca. Eram festas e muito luxo para aquela avezinha se esquecer da hereditariedade, única coisa que, naquele filho, era verdade.
Gritar, naquela casa, não podia. Se o filho gritasse talvez descobriria o talento herdado. Mas o pai não queria gritos, por isso dava tudo que podia àquele Passarinho herdeiro. Fraco e franzino que era, não exercitou as cordas daquela goela. Chamou, mas na casa ninguém o ouviu. Enfim, o Passarinho foi atendido por um Chupim. Veio outro e mais outros vieram. Ficaram fascinados por aquele metal amarelo.
– Nós conhecemos a fama que seu pai tem - disse-lhe um Chupim. – Faça amizade conosco, que o levaremos para bem longe desse velhaco.
Assim, do lado de fora da minha casa, eu vi acontecer.
O Passarinho saiu com os Chupins. Nas voadas conheceu os declínios e não sabia pra onde voltar.
Quando aquele Pai Construtor se deu conta, não se conformou com tamanha afronta. Ferido em seu sentimento, fez um grande levantamento e descobriu que não havia mais nada a contar. As grades estavam serradas e sua maior joia, roubada. Decretou sua falência e saiu a procura do filho.
Achou-o coberto por Formigas. Limpou-o e, com rapidez amassou o barro, fez uma cama para deitar nela o filho que tanto ama. Pagou muitos cantadores para louvarem aquele que já se foi.
Com muita agilidade, ergueu as paredes de barro e depressa fechou a porta. Ficaram todos lá dentro, para ninguém mais ouvir nenhum canto no firmamento.
Como toda causa tem seu efeito, decidiu fechar os bicos, para que ninguém mais saiba do que foi feito daqueles que tinham defeitos.
Eu vi tudo isso acontecer porque, na minha condição de Caracol, entro e saia, quando quero, do peso que trago nas costas.
Rita Lavoyer